15 de setembro de 2010

Pausa para o café

ROMANCE GRAMATICAL

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas maravilhoso predicado nominal. Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele, um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação, os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.

O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro. Ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar. Só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto. Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar. Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente. Abraçaram-se numa pontuação tão minúscula que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula, ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais. Ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta. Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.

Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou, e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino. O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva. (Autor desconhecido)

8 de setembro de 2010

Pecados Capitais: Orgulho



O orgulho é um sentimento de duas faces, tem os seus lados e os seus avessos. O orgulho caminha muitas vezes de mãos dadas com a crise conjugal, impingindo-nos a repensar a relação, seja para continuar, seja para cair fora, mas, como disse, tem também seu lado positivo – vai do gosto e do uso do freguês. O orgulho pode vestir a roupa da soberba e do egoísmo, mas também pode ser revestido por elogios e coisas boas.

O orgulho tem sua faceta maligna para o relacionamento, vencê-la é, sobretudo, uma questão de vivência, pois o nosso temperamento pode nos causar problemas. E mais: é o nosso orgulho que nos mantêm, cegamente, neles. O orgulho é traiçoeiro. O amor cria. O orgulho destrói. O amor explica. O orgulho complica. O amor multiplica e divide. O orgulho subtrai. O amor perdoa. O orgulho culpa. O amor unifica. O orgulho separa. O orgulho é a matéria-prima dos outros pecados capitais. O mais perigoso deles.

E há o orgulho saudável, isto é, aquele que nasce do coração, salta às vistas e deixa a vida mais iluminada, alegre e colorida. O dicionário o conceitua também como “sentimento de dignidade pessoal e de sua preservação”. O orgulho tem o poder de nos manter unidos e conservar a nossa espécie – é ver o lado bom das coisas e das pessoas e se contrapor à vertente fechada, solitária e egoísta, cultivando valores como admiração e reconhecimento. Pense nisso, caro amigo!

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Sou orgulhoso e bato no peito. Você também se orgulha de ser uma mula (com todo o respeito aos bichos que são bem engraçadinhos)? Orgulhar-se do seu orgulho quando ele age apenas em seu próprio benefício é algo no mínimo incoerente numa relação. Claro, lhe deixa mais forte diante de si mesmo tornando-o mais certo de quem você realmente é, ou pensa que é. Mas será que não o impede de ter relações mais sinceras e sadias baseadas na troca e não na imposição?

Ser orgulhoso no trabalho nos leva muitas vezes a um patamar superior, uma promoção, quem sabe. Ser orgulhoso no futebol lhe capacita a fazer um gol bonito, sozinho. Mas ser orgulhoso em qualquer atividade que envolva mais um (e não vale seu ego, ok) é bem preocupante.

Dar o braço a torcer, concordar com o parceiro, desculpar-se, voltar atrás não são atitudes vergonhosas. Pelo contrário são muito difíceis de fazer e, por isso, muito honradas. Já que se acha tão dono de si, faça do orgulho um ato positivo (sim, ele é uma moeda de duas faces), por que não?

Na próxima vez que tiver uma briga, pense bem se você não é o culpado ou se não poderia ser o primeiro a dar um passo para a reconciliação. Se acha que isso é atitude de fracos, fique sozinho e fortaleça seu próprio ego, talvez seja a única companhia viável para alguém como você.